O sono é vital ao organismo: está relacionado à memória, concentração, cognição, humor e autoestima. Mas uma boa noite de sono vai além, ajuda a evitar complicações na saúde em geral, nas atividades laborais e escolares, psicológicas e cognitivas, na vida pessoal e social e reduz o risco de acidentes.
Entre outros benefícios, regula o apetite, o peso, os níveis glicêmicos, a pressão arterial, a produção de anticorpos, o crescimento e a libido.
Ao longo da vida, a média de horas para um completo relaxamento muda e à medida que se envelhece tanto a quantidade quanto a qualidade são perdidas. Os recém-nascidos dormem em média de 14 a 18 horas; uma criança, entre 10 e 13; já um adulto, de 7 a 9; e um idoso, de 6 a 8. Há ainda uma pequena parcela que necessita de mais tempo de repouso, de 10 a 11 horas, e outra que obtém os efeitos restauradores, de conservação de energia e proteção com apenas 4 ou 5 horas dormindo.
"São características individuais, com influência da genética e dos hábitos adquiridos", afirma Francisco Hora, pneumologista, médico do sono e coordenador do Laboratório do Sono do Hospital Português da Bahia.
Como saber se o sono foi bom?
Para saber se a noite de sono foi boa, os médicos especialistas esclarecem que o principal indicador é a sensação reparadora que se tem ao despertar. "Nem sempre tempo significa qualidade", aponta Tatiana Vidigal, otorrinolaringologista e médica do sono no Instituto do Sono e da Air Otorrinolaringologia, ambos em São Paulo.
O fundamental é que se tenha durante a noite de 4 a 5 ciclos completos passando pelo sono não REM (do inglês, rapid eye movements, ou movimentos oculares rápidos), que é composto por três estágios em grau crescente de relaxamento muscular, profundidade do nível de dormência e de maior limiar para despertar —fase 1 ou estado de sonolência, fase 2 superficial e fase 3 profundo— e o REM.
O estágio 1 é basicamente o "cochilar". Durante o estágio 2, o corpo entra em um estado mais moderado, incluindo uma queda na temperatura, músculos relaxados e respiração e batimentos cardíacos mais lentos.
O estágio 3 do sono também é conhecido como sono profundo, e é mais difícil acordar alguém se estiver nessa fase. O tônus muscular, o pulso e a frequência respiratória diminuem à medida que o corpo relaxa ainda mais. Especialistas acreditam que esse estágio é fundamental para o sono restaurador, permitindo a recuperação e o crescimento do corpo.
Durante o sono REM, a atividade cerebral aumenta, aproximando-se dos níveis observados quando você está acordado. Ao mesmo tempo, o corpo experimenta a atonia, que é uma paralisia temporária dos músculos, com duas exceções: os olhos e os músculos que controlam a respiração. Mesmo que os olhos estejam fechados, eles podem ser vistos se movendo rapidamente, e é assim que esse estágio recebe o nome.
"O desenvolvimento de cada uma das fases no decorrer da noite segue uma arquitetura característica, com proporções definidas de cada estágio, que variam segundo a faixa etária. Os estágios se diferenciam de acordo com o padrão do eletroencefalograma (EEG) e a presença ou ausência de movimentos oculares rápidos, além de mudanças em diversas variáveis fisiológicas, como o tônus muscular e o padrão cardiorrespiratório", explica Clélia Maria Ribeiro Franco, neurologista e médica do sono nos hospitais universitários da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e da UPE (Universidade de Pernambuco).
O coordenador do Laboratório do Sono do Hospital Português da Bahia compara os estágios ao sobe e desce das marés, pela alternância entre os níveis. "A soma dos estágios é que vai fazer com que tenhamos a percepção reparadora física e mental."
As proporções de cada estágio durante uma noite típica, sem fenômenos anormais, variam de acordo com a idade, mas em um adulto saudável, costumam estar entre: 2% a 5% na fase 1, 45% a 55% na fase 2, 15% a 20% na fase 3, e 20% a 25% de estágio REM.
"A sensação de descanso depende do profundo e o REM é a etapa principal, fundamental para a memória, concentração e aprendizagem", informa Vidigal.
Microdespertares
Os microdespertares ocorrem a qualquer momento da noite de forma espontânea ou provocada por fatores extrínsecos, como ruído ou mudança de temperatura, ou eventos patológicos: pesadelos, dor, apneias, movimentos anormais de membros, crises epiléticas, entre outros.
"É comum não se lembrar desses episódios quando são de curta duração e o indivíduo não registra de forma consciente, principalmente se não forem relacionados a acontecimentos anormais, como pesadelos e quadros respiratórios", relata Franco.
A otorrinolaringologista e médica do sono no Instituto do Sono fala que são considerados normais até 10 por hora de sono.
Aplicativos ajudam?
Alguns aplicativos, pulseiras e relógios inteligentes apresentam informações estimadas do período em que se esteve dormindo, tendo como referências, para delimitar os estágios e tempos, a frequência cardíaca, oximetria e movimentação.
"Eles não registram variáveis fisiológicas que caracterizam os estados de vigília e as fases do sono, tais como as relativas à atividade elétrica cerebral, que são necessárias para avaliar a arquitetura do sono e o ritmo sono-vigília daquela noite, permitindo identificar distúrbios. Para isso, é necessário monitorar o cérebro, não os movimentos na cama ou roncos", alerta Franco.
Vidigal observa o crescimento do número de pacientes que chegam por conta das dúvidas levantadas pelo uso da tecnologia, o que pode colaborar para um diagnóstico precoce ou ajudar no tratamento, como os aplicativos que gravam o ronco durante a noite, quando esse controle é importante.
O uso deve ser feito de forma criteriosa, ressalta a médica do sono no HC-UFPE, a fim de criar uma consciência do sono, um ritmo de horário de deitar e de levantar e pode ser útil em manter um ritual de relaxamento, com limite de tempo de uso e com a menor intensidade de luz possível, para não perturbar o relaxamento.
A importância do sono
"Não se justifica as pessoas dormirem mal e conviverem com isso. Acordar mais cansado após dormir não é normal. A pessoa cansada não produz nada. Além disso, o tratamento dos distúrbios do sono são 100% resolutivos", afirma Denis Martinez, pneumologista, médico do sono na Clínica do Sono, professor e coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Sono da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
São mais de 70 distúrbios associados ao sono com prevalência da insônia. Segundo o EPISONO (Estudo Epidemiológico do Sono), realizado pelo Instituto do Sono, 33% da população tem apneia do sono. Entre os fatores de risco estão alterações fisiológicas nos ossos da face, queixo mal desenvolvido, obesidade e idade —homens a partir dos 45 anos e mulheres na menopausa.
As consequências vão de dor de cabeça, mudanças de humor, queda da libido, disfunção erétil, além de aumento da propensão a desenvolver pressão alta, arritmia cardíaca, AVC, insuficiência cardíaca e diabetes.
Os tratamentos passam por cirurgia, fonoaudiologia para fortalecimento dos músculos da garganta e o uso do CEPAP, aparelho usado à noite indicado para a apneia obstrutiva.
Qualquer alteração do sono que seja persistente requer investigação médica. As crianças não estão livres de problemas devido a problemas respiratórios que, quando tratados, representam melhoria da qualidade do sono e de vida.
Outro ponto destacado por Martinez é a automedicação que não resolve a causa e pode piorar o problema. "É preciso o diagnóstico correto."
Higiene do sono
Para melhorar a qualidade das horas dormidas, os especialistas recomendam praticar a higiene do sono, que consiste em um conjunto de técnicas aplicadas antes de deitar, ou até mesmo durante o dia, com o objetivo de alcançar um repouso mais saudável.
"É um processo que reforça e sinaliza para o corpo a hora de dormir, por meio de uma série de atos conscientes que ajudam o organismo a conseguir um descanso mais saudável", aconselha Franco.
Passo a passo:
- Crie um ambiente agradável: um quarto escuro, fresco e silencioso ajuda a adormecer.
- Evite associar a cama ao trabalho ou outros estímulos.
- Colchão e travesseiros adequados, assim como lençóis e cobertores, favorecem a sensação de conforto e bem-estar.
- Atenha-se à agenda: acordar e ir para a cama no mesmo horário todos os dias é uma das melhores maneiras de vencer a insônia, segundo os especialistas. Tentar recuperar o sono perdido aos fins de semana é prejudicial ao ritmo circadiano --os processos biológicos do organismo, metabolismo, sono e vigília, no período de 24 horas. Uma soneca curta no início da tarde é a melhor opção.
- Acorde na primeira vez que o alarme tocar, pois o sono fragmentado não é recomendado.
- Reduza o uso de eletrônicos à noite: as telas azuis têm efeito estimulante. Desligue-os uma hora antes de dormir e silencie as notificações.
- Evite acender a luz do teto se acordar no meio da noite. Use uma luz noturna ou abajur, se necessário. Aproveite a luz solar: a exposição à luz no início do dia ajuda a recuperar um ritmo circadiano de forma mais natural.
- Exercite-se e coma bem: evite exercícios e refeições perto da hora de dormir.
- Reduza a ingestão de álcool e cafeína, pois são estimulantes e atrapalham o adormecimento.
- Relaxe: pratique ioga, meditação ou outras técnicas de relaxamento.
- Crie um ritual como ler um livro, tomar banho morno, escovar os dentes e vestir o pijama. Ao revirar-se sem adormecer por mais de 15 minutos, levante-se e faça uma atividade relaxante alternativa por um tempo antes de tentar dormir de novo.